Mea culpa em vez de Te Deum na Igreja do Carmo
A Igreja de Nossa Senhora do Carmo, construída em meados do séc. XVI sobre a Ermida de Nossa Senhora da Conceição - que ali existia, no sítio da Pedra da Eira -, integrou o cenóbio carmelita até à extinção deste em 1834. Depois disso teve por vizinhos o Tribunal Judicial e o Teatro Gil Vicente durante a segunda metade do séc. XIX, e, desde o dealbar do Séc. XX, a Escola Industrial Vitorino Damásio - depois Escola Industrial e Comercial de Lagos e finalmente Escola Secundária Gil Eanes.
A Igreja das Freiras Carmelitas, assim conhecida pela população, terminou a sua actividade cultual na sequência das avarias provocadas pelo sismo de 1968. Sem uso, ficou sujeita à ruína do tempo e ao vandalismo urbano. No final da década de 80 do século XX a Câmara Municipal iniciou negociações com o proprietário tendo em vista a reabilitação do imóvel, processo que só viria a concretizar-se a partir de 2007, com a reconstrução integral da abóbada da nave e colocação de esticadores nas paredes principais. O arranjo dos telhados, do pavimento, do coro alto e da sacristia resgatou parte da grandiosidade do templo mas falta a recuperação do altar, das talhas e outros elementos decorativos para se reaver a magnificência que terá exibido noutras épocas. Em todo o caso, a intervenção executada já a salvou do colapso estrutural e da consequente perda total.
Depois desta introdução melhor se compreenderá o assunto que pretendo abordar, relacionado com a utilização singular do templo, passada no início dos anos 70, e as acções de vandalismo nele ocorridas. O objectivo: repor a verdade dos factos, retratando-me de afirmações que proferi publicamente em 2006, em que acusei o escultor João Cutileiro de ter procedido ao corte de elementos da talha que decora o templo em apreço.
Sabia que o interior da igreja fora usada em 1972/3 para a criação da estátua a D. Sebastião – hoje patente na Praça Gil Eanes -; vi o imenso pó de pedra que tudo cobria na nave principal - como viram outros jovens do C.N.E. que se reuniam na cave da sacristia e daí partiam à descoberta da igreja - corria então o ano de 1976 -, e a estes factos juntou-se a imagem das máquinas de cortar pedra decapitando anjos e querubins, decepando folhas, grinaldas e demais ornamentos de talha. E naquela mesa de Café reprovei tal acto perpetrado por um afamado escultor da actualidade contra a obra de um seu colega de ofício, um escultor de antanho que, provavelmente, nunca conseguiu emergir do anonimato. Empolando os factos concretos que conhecia, foi esta, então, a tónica da crítica proferida à mesa do Café.
Decorridos estes anos, e após os ensinamentos da disciplina de Arte do Ocidente Europeu, que conclui no mês passado, e do recente trabalho fotográfico realizado na Igreja de Santo António - no levantamento das condições da talha dourada setecentista -, voltei às fotografias mais antigas da Igreja do Carmo e percebi que as peças não tinham sofrido a acção da máquina de cortar pedra mas, simplesmente, sido arrancadas - uma vez que são construídas em bocados que são posteriormente colados.
Não sei se o visado terá tido, alguma vez, conhecimento desta acusação insensata mas, por imperativo de consciência, sinto-me na obrigação de apresentar este reparo, designadamente perante a mesma tertúlia informal que se reúne na esplanada do Café Britaica.
aspecto do altar-mor |
peças amputadas |
construindo a nova abóbada |
a nova abóbada e os esticadores transversais |
o arranjo do Coro Alto |
aspecto geral da nave depois das obras |
o resultado final exterior |
3 comentários:
Pede ao teu amigo velhote que te conte a história dos ingleses que lá estavam a recolher peças da talha para dentro de um cesto a mando do artista a quem pedes desculpa, o que tinha a chave daquilo e que esteve lá a desbastar pedra vários anos após o 25 de Abril. Não sabes da missa a metade, ó trapalhão.
Anton
hummm... vou ver isso, mas em todo o caso as peças não mostram indício de ter sido cortadas com uma rebarbadora, como eu inicialmente supus, portanto esses factos não alteram o reparo que produzi.
logo falo com o ZCV e esclareço isso.
e tu, por onde andas?
Abraço.
Pois já falei com o ancião e mantenho integralmente o que escrevi neste post. Entendo que errei anteriormente ao aceitar como factos o "diz-se que", e o "fulano ouviu e beltrano viu" proveniente de gente que sempre considerei idónea e intelectualmente honesta, esquecendo-me, porém, que essa gente também erra. Portanto, independentemente do eventual fundamento dessas acusações, eu reparo o meu erro, porque não tenho provas para as sustentar.
Saúde.
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