o génio da Meia Praia



Reformou-se e passou a palmilhar o areal da Meia Praia duas e três vezes ao dia, desde o molhe até ao Forte, umas vezes lesto pela areia molhada, na baixa-mar, outra vezes caminhando vagarosamente, calcando as mini-dunas do areal seco naquela faixa amarelo-claro de areia fina salpicada de conchas que a preia-mar deixava a descoberto até ao limite das verdadeiras dunas. Aqui e ali dobrava o corpo para que mão alcançasse algum objecto meio enterrado que lhe suscitava a curiosidade e que, paulatinamente, ia assassinando o tédio acumulado. 

Um dia em que o ripanço do calor lhe tolhia o passo arrancou do areal um pequeno tubo de cobre que afinal se revelara uma peça maior, uma espécie de lamparina manchada pela oxidação. No regresso da sua enésima peregrinação ao Forte da Meia Praia, descansando à sombra do estrado do apoio de praia, entreteve-se a polir a lucerna, esfregando-a vigorosamente na perna do calção. O primeiro lado a sofrer tal operação recuperara um pouco dos tons acobreados mas o outro lado não parecia melhorar com o tratamento polidor. 

Insistiu na manobra e, poucos minutos depois, para seu espanto, o objecto começou a libertar vapor pelo bico (pelo tal tubinho que vira inicialmente, emerso na areia), e pouco depois uma figura disforme ergueu-se engrossando de uma densa voluta com mais de um metro de altura. Atónito, verificou formar-se uma espécie de rosto quase no topo da estranha nuvem, e dele emergirem uns olhos e uma boca bem definida. De olhos esbugalhados e ar aterrado ouviu o génio dizer: - que ordenas meu amo? Podes fazer um pedido que atenderei prontamente. Por mais espalhafatoso que seja, será concedido.

Aparvalhado, mas não convencido, depois de olhar em volta procurando as câmaras de algum programa televisivo de apanhados, optou por testar o fantástico ser que diante dele flutuava no ar, e pediu: - gostaria que me construísses uma ponte daqui, da Meia Praia, até Mazagão, em Marrocos. Uma ponte com uma estrada bem larga. E ainda rematou: - Deve ser coisa fácil para ti, é uma ponte em linha recta, assim, sempre a direito para ali. Disse, erguendo o braço para Sul.

O génio olhou-o silencioso, um tanto embaraçado, e acabou por responder: - Hum… uma ponte dessas exige complexos estudos de geologia, e de grandes estruturas de suporte, mais estudos e projectos de materiais, mais a problemática das correntes e dos ventos, envolver vários gabinetes de engenharia e de projectistas, e a quantidade de betão que vai ser preciso, e os quilómetros de cabos eléctricos, e a iluminação… meu Deus… Olha lá, não podes escolher uma coisa menos complicada?

O homem olhou aborrecido para o génio: - Mas que merda de génio és tu? Lá porque o país é miserável, e está endividado, isso não é razão para ter direito apenas a um desejo – que é feito dos tradicionais 3 desejos? E agora nem esse único concedes?!

Olharam-se em silêncio, o homem afundado no seu peso e no calor do dia e o génio tremulando no seu corpo etéreo, ambos ancorados na pequena ilha de sombra que o restaurante proporcionava. O homem reconsiderou e, querendo desmascarar as aptidões da estranha aparição, propôs: - Olha, génio, então quero que me dês a capacidade de entender as mulheres. Está bem assim?

Se houve momento em que aquela massa nebulosa ganhou forma expressiva e uma fisionomia perto da humana, foi ali. Evidenciaram-se, bem delineados do resto da fumaça, uns sobrolhos arqueados e uns olhos arregalados de genuíno assombro. E o inquilino da lâmpada mágica retorquiu imediatamente: - Quantas faixas de rodagem disseste que querias na ponte?


2 comentários:

TheOldMan disse...

Já agora manda também acrescentar uma faixa para bicicletas

(Ser génio é o caraças, pah! Só pedem coisas difíceis...)


;-)

francisco disse...

xiii...isso com mais uma faixa para bicicletas fica para cima de um dinheirão. Não sei se o génio vai nisso.

;)