Ai, Europa.



Ensaio sobre a Constituição da Europa
- Jürgen Habermas -

Excerto do Prefácio de José Joaquim Gomes Canotilho
Publicado no JL de 21 Março de 2012

«A minha maior preocupação é a injustiça que brada aos céus, e que consiste no fato de os custos socializados do falhanço do sistema atingirem com maior dureza os grupos sociais mais vulneráveis». A injustiça social paga-se, não com dólares, libras ou euros, mas com «moeda forte da existência quotidiana». Longe de ser uma precipitação transitória de sistema, a injustiça ameaça resvalar para um «destino punitivo» global. Toda esta tragédia humana – este «escândalo político», este «darwinismo social», este «programa de submissão desenfreada do mundo da vida aos imperativos do mercado» - é acompanhada de um «enfado com a política» ao qual não é alheia a ascensão ao poder de uma «geração desarmada em termos normativos», incapaz de assumir objectivos, causas e esperanças. [Uma geração de políticos que olha] para os ditames dos «grandes bancos e agências de notação» e não para o desfalque legitimatório perante as suas próprias populações. E, em vez de se levar a sério um projeto europeu, opta-se por caminhos ínvios. Ensaia-se, sem o dizer, um esquema de «federalismo executivo». Oculta-se a «importância histórica do projeto europeu» por ser impopular e complexo, navegando-se aos sabores dos populismos internos. As elites político-económicas sentem-se confortáveis com «incrementalismos», mas teimam em não assumir a força civilizadora do direito democrático. Tão-pouco parecem compreender o «regresso da questão democrática», sendo óbvio que os Estados pagam a governação baseada na intergovernabilidade com o decréscimo dos níveis de legitimação democrática.

«O fato de a União Europeia ter sido, até agora, essencialmente sustentada e monopolizada por elites políticas, gerou uma assimetria perigosa entre a participação democrática dos povos naquilo que o seus governos «conquistam» para eles no palco de Bruxelas – que consideram muito longínquo – e a indiferença, se não mesmo desinteresse, dos cidadãos da União no que diz respeito às decisões do seu Parlamento, em Estrasburgo.

Todos sabemos, com «indiferença», «desinteresse» e «distância» não se constroem democracias – muito menos transnacionais. O resultado é, sim, um buraco negro, vulgarmente designado por «déficite democrático» da União Europeia. Este «déficite democrático» corre o risco de se converter «num arranjo para o exercício de um domínio pós-democrático e burocrático».

A crise do euro pôs a claro o «clube dos ilusionistas» e revelou os pontos fracos do Tratado de Lisboa. Este Tratado não dota a EU de meios para enfrentar os desafios que se lhe colocam enquanto União Económica e Monetária. O que é preciso não é apenas ultrapassar as barreiras institucionais, mas exigir «uma alteração radical no comportamento das elites políticas». Devem estar menos voltadas para «relações públicas» e «incrementalismo dirigido por peritos» e mais preocupadas com a coesão económica e social da Europa. «É necessária uma coesão política reforçada pela coesão social, para que a diversidade nacional e a riqueza cultural incomparável do biótopo – velha Europa – possam ser protegidas no seio de uma globalização que avança rapidamente».

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