PS e PSD

Se isto diz o que penso
Para quê dizê-lo eu
Se quem assim o diz
Di-lo melhor que eu?



PS e PSD
Maio 27, 2011 por RikSaint

Pela Europa fora observamos que, em reacção à crise, aos erros e às mentiras dos responsáveis, as populações dão derrotas históricas aos que os governaram nos últimos anos. Mas em Portugal o partido do governo, depois de uma acção desastrosa, múltiplos erros graves e actos e palavras que desrespeitaram o Estado de Direito e a própria democracia, consegue competir com a oposição e ter a esperança de uma reeleição. Porquê?

Já aqui apontei algumas razões, como a iliteracia funcional de grande parte do povo, que o torna permeável a mentiras, meias-verdades, propaganda, e também a infiltração anormal que o PS tem na comunicação social, desde repórteres a agências noticiosas, que lhe permite explorar de forma mais eficaz essa iliteracia. Apontei também a notável ausência de barreiras como a ética e a moral, o respeito e a honestidade, no caminho do PS, que lhe dá uma flexibilidade maior nos meios que usa para chegar aos fins.

Não apontei contudo um aspecto relevante, que é a organização desses dois partidos. Qual é a diferença entre o PS e o PSD enquanto máquinas partidárias capazes de se auto-promover, chegar e manter-se no poder, rivalizando com a popularidade dos adversários mesmo nas circunstâncias mais adversas? Se o PS jogasse, por hipótese, com as mesmas armas do PSD, teria na mesma vantagem? A resposta é “sim”, por causa da sua organização.

Os que se afastam demasiado da política, ou que lhe estão demasiado próximos, tendem a ignorar este ponto. Usarei, para ilustrar a organização de um e outro, uma metáfora militar. Comparemos PS e PSD a dois exércitos antigos, digamos do tempo em que os romanos lutavam com tribos bárbaras como os teutões, os gauleses ou os lusitanos.

Os exércitos romanos nem sempre tinham a vantagem do número, da experiência ou do talento individual para combater. Eram, porém, uma organização hierárquica bem definida e disciplinada, onde cada soldado sabia qual era a sua posição e o que fazer no teatro de guerra. Em combate, o exército mantinha, até ao limite do possível, a sua formação, cada legião, cada coorte, cada centúria, cada homem obedecendo às ordens do seu superior.

Do outro lado, as tribos bárbaras prezavam acima de tudo a coragem individual e o talento de combater, e possuíam guerreiros temíveis. As tribos teutónicas, por exemplo, assustavam pela sua ferocidade cada romano. O seu número era também assustador. No entanto não tinham um exército disciplinado, não combatiam em formação e por isso a sua força, como um todo, era menor que a das legiões romanas.

O PS é, nesta perspectiva, um exército romano. Demasiado disciplinado, diria, para um partido criado há menos de 4 décadas (o que faz desconfiar que a sua organização é mais antiga, muito provavelmente uma maçonaria que o usa, entre outras armas). Definida a estratégia, combate como um todo, cada elemento obedecendo a ordens, repetindo os argumentos combinados, sem a dissonância fragilizante de ideias próprias. A disciplina e a cadeia de comando são de facto notáveis no PS quando se vê, de um dia para outro, os mais distintos combatentes, desde ministros a desconhecidos militantes, alinharem sem desvio na mesma argumentação, na mesma ilusão, na mesma mentira, no mesmo boato, muitas vezes sem respeito pelo seu prestígio académico e profissional, pela ética e pela honra. Porque preferem o prestígio dentro do seu grupo, a ética partidária, a honra de defender o partido.

Ora bem, desta forma os ataques dos adversários só teriam efeito se fossem feitos da mesma forma, com a mesma unidade, com a mesma força de conjunto. Aparecendo isolados, por muito lógicos e demolidores que sejam, têm pouco efeito nas linhas do PS (o mesmo método militar, aprendido outrora nas escolas soviéticas, rege o PCP).

O PSD, por seu lado, combate de forma amadora, como as tribos de outrora, sem uma formação de conjunto, dando liberdade de voz e pensamento a cada um dos militantes (ou não a conseguindo impedir), como se estivesse numa democracia e pudesse tirar partido das suas regras ingénuas – como se os eleitores premiassem, alguma vez, a liberdade! Tal é o que mais fragiliza o PSD e o torna um adversário fraco, por muito extraordinários que sejam os seus dirigentes, comentadores e outros militantes.

Quando os exércitos avançam um para o outro, o do PSD parte corajoso mas desorganizado, abrindo brechas nas falanges. O PS, coeso, aproveita essa vantagem para isolar pedaços das tropas do PSD e destruí-los um a um. Tem assim uma enorme vantagem mesmo quando o terreno não lhe é favorável, como na presente campanha, atacando caso a caso, confundindo declarações pessoais com posições do partido, demolindo a credibilidade de cada interveniente.

Um contra um, como se tem visto, o PS perde de forma retumbante. O debate de Passos Coelho com Sócrates foi disso o expoente máximo, mas vemo-lo diariamente em debates televisivos (figuras de segunda linha, como João Soares e Alfredo Barroso, fazem figura ridícula, e outras de primeira linha, como Augusto Santos Silva ou Francisco Assis, provam regularmente que vivem para repetir a cassete do partido através de retórica cínica e desonesta). Comparar António Costa com Pacheco Pereira, na Quadratura do Círculo, é comparar um escravo com um homem livre. Outros exemplos surgem facilmente. Em geral, e julgando pelo que é objectivo e lógico, e não pelo que convencerá as multidões, o social-democrata vence o socialista porque emprega uma argumentação própria, criada por si e não pelo partido, livre para se basear em toda a realidade e não apenas no estreito discurso oficial da Direcção.

Pequenas vitórias, em pequenas escaramuças, contudo. Num choque de exércitos o PS, com o seu aperfeiçoamento militar, tem sempre mais hipóteses de vencer. Durão Barroso ganhou porque na altura o PS foi surpreendido pela auto-crítica e demissão do próprio líder, Guterres, e demorou a reorganizar as forças e a mobilizá-las (a auto-crítica está para o PS como o ácido clorídrico para um cano entupido). Manuela Ferreira Leite tinha razão em 2009 em praticamente todas as suas críticas à legislatura de Sócrates, mas não tinha exército coeso que se possa dizer que, como um todo, lutasse pela mesma razão, e perdeu. Passos Coelho sofre da mesma debilidade do PSD enquanto máquina de guerra. A liberdade dos sociais-democratas, bem como o seu orgulho individual, leva a que num dia a imprensa seja feita de frases de Passos Coelho, Santana Lopes, Morais Sarmento, Luís Filipe Menezes, Marcelo Rebelo de Sousa, Pacheco Pereira, Marques Mendes e outros, todas com mensagens distintas, apontando em direcções diferentes, muitas vezes contradizendo os próprios companheiros. Do lado do PS os que põem notícias nos jornais fazem-no todos pelo mesmo guião, repetindo a mesma cassete, contra o mesmo alvo, sem liberdade ou ideias próprias mas com disciplina e eficácia. São verdadeiros soldados, pagos para obedecer a ordens e não para pensar livremente. O único orgulho que se admitem ter é o da vitória do conjunto e jamais o individual, virtude que o PS paga sem olhar a custos.

O povo em geral não processa a informação. A que lhe for repetida mais vezes, da mesma maneira, é a que lhe fica na memória, faça ou não sentido, esteja ou não de acordo com a realidade. O PS sabe que não tem de se preocupar com factos para fazer a guerra política. Mas no PSD muitos dos influentes, por orgulho intelectual, não se separam dos factos. Teimam, numa demanda pessoal, em interpretar, analisar, ajuizar, debater, complicando, os assuntos que lhes apetece, como se não tivessem qualquer vínculo, muitas vezes criticando pelo meio o próprio partido – não por desfaçatez, mas por ser necessário à perfeição dos seus raciocínios. Ou seja, acabam a combater sozinhos, cada um por seu lado, e todo o conjunto perde muito cedo a força que seria necessária para enfrentar a sólida falange socialista. No fim terminam todos, com os seus raciocínios independentes, independentemente caídos pelo campo de batalha.

Uma das tácticas dos socialistas é lançar sofismas sobre mensagens do PSD, fazendo distorções do que foi dito, apontando potenciais incoerências, multiplicando acusações ou produzindo associações caluniosas. Quase sempre resulta. Lançado o assunto polémico, o “isco”, basta esperar que os variados pensadores do PSD se entretenham a desenvolver o assunto, cada um por si, num processo colectivo de auto-destruição. Parte da imprensa é antecipadamente mobilizada por influência directa dos socialistas, e quando começa a haver fumo o resto da imprensa vem a correr como um grupo de hienas para um cadáver fresco, produzindo depois um barulho ensurdecedor sobre o caso do dia e mostrando, muitas vezes com reportagens truncadas e uma habilidade singular para o melodrama de baixo orçamento, a mancha de sangue que alastra das divergências entre os voluntariosos pensadores do PSD.

É por isso que faz cada vez menos sentido em Portugal usar as palavras “liberdade” e “democracia” na mesma frase. A democracia depende do sucesso de partidos políticos, e esse sucesso, como nos mostra a esquerda todos os dias com assinatura da população, depende da inexistência de liberdade dentro de cada partido. Os últimos anos mostram bem que seja qual for a realidade um partido que esconda, minta mas aja como um exército tem mais sucesso do que outro que avise, diga a verdade mas aja como uma tertúlia.



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