800 anos a dar à língua



A língua Portuguesa completa 800 anos de história no próximo dia 27 de Junho. Trata-se, obviamente, de uma data simbólica pois existirão outros textos mais antigos, ainda desconhecidos, para além daqueles que sendo conhecidos não reúnem, no entender dos especialistas, as necessárias premissas para que lhes seja outorgado esse papel de marco linguístico.
Numa década crucial para a língua portuguesa, que se encontra sob o ataque insano de quantos pretendem "normalizá-la" perante o universo dos seus falantes - refiro-me à estulta aventura que dá pelo nome de AO90 -, é importante sinalizar essa nossa pátria que é a língua que falamos, com toda a carga cultural e civilizacional que lhe está subjacente.
Aqui fica a nota.

«No actual território português o latim clássico sofreu até ao séc. IX uma transformação tão profunda que levou o Prof. J. M. Piel a afirmar que pelos fins deste século: «o idioma do futuro Condado Portugalense apresentava fonética e lexicalmente maiores afinidades com o português de hoje do que com o latim falado no tempo da colonização romana».
Desde então até ao séc. XII, temos o período a que Leite de Vasconcelos chamou do Português proto-histórico, durante o qual vão aparecendo algumas palavras portuguesas ou aportuguesadas por entre o latim bárbaro dos documentos.
Atendendo à sua grande antiguidade, o exemplo mais significativo que conheço é um diploma original de 25 de Agosto de 1008, proveniente do cartório da Sé de Coimbra, que a seguir publico com o nome de DOCUMENTO LATINO-PORTUGUÊS DE 1008.
Parece-me que deve ser assim classificado, porque o português aparece neste documento não apenas em palavras isoladas mas em frases quase completas, como pode concluir-se das seguintes:
« ... et illa alia mediatate reserbam(us) pro nos. Et nec vindamus nec donemus ad alio omine nisit ad ti ou tu a nos. Abeas fírmiter de nostro dato ( ... ) et fauolastis pro me ad meo marito Uirterla et dimisit mici illa merze et rezebit me pro sua muliere et consudunasti nos todos tres in tua kasa ad tua bcmfeitoria ( ... ) nos illa devindigare non potuerimus pos tua parte ou tu in uoci nostra ... ».

TESTAMENTO DE D. AFONSO II, DE 1214

Posto de lado o Auto de partilhas de 1192 e o Testamento de 1193, o primeiro documento escrito em português e provido de data é o testamento feito por D. Afonso II «en Coinbria IIII dias por andar de Junio Era M. CC. L a II. », isto é, 27 de Junho  de 1214.
Apesar de ter apenas 28 anos de idade e três anos e três meses de reinado, D. Afonso II fez este testamento para garantir a paz e a tranquilidade — sten en paz e en folganciada família e do reino, no caso de lhe sobrevir uma morte prematura, que a sua compleição enfermiça fazia recear.
Toma as indispensáveis providências para garantir a sucessão legítima do reino pela via varonil ou, na falta desta, pela filha mais velha. Providencia também sobre o governo do reino durante a possível menoridade do herdeiro e sobre a tutela dos filhos e filhas menores, confiando ao Sumo Pontífice a protecção destes e do reino e a execução do testamento.
Na disposição dos bens, além da rainha, dos filhos e filhas, contempla o Sumo Pontífice, as dioceses de Santiago de Compostela e de Tui, alguns mosteiros e Ordens militares, tornando minuciosas precauções quanto aos seus bens de alma.»

COSTA, P. AVELINO de JESUS da. Estudos de Cronologia, Diplomática, Paleografia e Histórico-Linguísticos: Os Mais Antigos Documentos Escritos em Português. Instituto Camões.
Disponível em: cvc.instituto-camoes.pt/hlp/biblioteca/estudos_de_cronologia.pdf


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