Tempus Fugit



Quando as sociedades regressam maioritariamente à comunicação por imagens isso significa que deixaram de dialogar, refugiando-se no acto de declarar. Sintoma de uma sociedade que perdeu a capacidade de conversar, de escrever, até mesmo de ler. Indícios de que as ideias dos outros não interessam porque não são produto da experiência de cada um: “Não são a minha experiência, afinal de contas a única que verdadeiramente conta”.

Nesta era de comunicação fácil e global, nunca os humanos estiveram tão afastados uns dos outros, nem tão emersos num gigantesco ruído discursivo. Porque o indivíduo de hoje não discute, sentencia. Incapaz de dialogar, o homem do séc. XXI refugia-se no monólogo, declarando a sua convicção, muitas vezes formada noutros discursos autistas que também não resultaram do confronto de ideias, de intuições, de experiências diferentes. O sujeito de hoje evita a confrontação, e mesmo quando manifesta a sua discordância fá-lo emitindo opiniões categóricas.

A par disto, nunca o tempo se mostrou tão fugidio, tão volátil, como na actualidade. E nessa emergência de acompanhar o ritmo do ponteiro dos segundos, o ser humano dilui-se num nada existencial que finge ser um tudo universal. Produto de uma civilização neurótica, este indivíduo vive o paradoxo de tentar ser mais veloz do que o seu ritmo ingénito, biológico; e num ápice esgota a vida, raramente percebendo como tal coisa aconteceu. O que antes era rápido tornou-se vertiginoso e a viagem nesta montanha russa que é a vida hodierna só se suspende por abrupto acidente que interrompe a corrida louca e apeia o indivíduo.

Nessa circunstância a imagem constitui algo para consumo imediato, algo que implica escassa reflexão e pouca ou nenhuma comunicação bilateral. É o discurso dos que não sabem confrontar ideias, é a língua daqueles que já não dominam os discursos tradicionais e que mostram dificuldade em ordenar o pensamento. É emissão num só sentido, ferramenta das elites dominantes dirigida às massas dominadas.

Assim foi ao longo da história, com os desenhos gravados no interior de cavernas, por xamãs e líderes de clãs para admiração pelos restantes membros; assim foi nas igrejas e catedrais onde os baixos-relevos, as pinturas e as estátuas transmitiam a interpretação da mensagem dos deuses, para consumo de analfabetos e iletrados; assim tem sido com os exuberantes cartazes de figuras tutelares, ou os outdoors de publicidade, com as suas mensagens dirigidas às massas; assim continua com a supremacia do visual na comunicação internética.

Preso numa ignorância travestida de convicção pessoal, o indivíduo de hoje não dialoga, antes declara a sua ignorância camuflada em imagens de subjectiva interpretação, em que cada destinatário/espectador constrói uma interpretação pessoal, que invariavelmente faz concordar com o aquilo que considera acertado, correcto, e verdadeiro. Não há lugar para a dúvida, o contraditório não é explorado, o cérebro trabalha pouco, a inteligência desvanece.

“Os média deram a palavra a legiões de imbecis que anteriormente falavam só no bar, depois de uns copos de vinho, sem causar dano à comunidade. Frequentemente, até havia alguém que os mandava calar, mas hoje eles têm tanto acesso ao uso da palavra como qualquer laureado com o Prémio Nobel. O drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a arauto da verdade”. Umberto Eco

E a imagem aí está para facilitar essa declaração. 

“A imagem é o resumo visual e indiscutível de uma série de conclusões a que se foi chegando através da elaboração cultural; e a elaboração cultural que se serve da palavra transmitida por escrito é apanágio da elite dirigente, ao passo que a imagem final é construída para a massa submetida. Nesse sentido, têm razão os maniqueístas: existe na comunicação por imagem algo de radicalmente limitativo...” Umberto Eco

 Não há tempo para mais, Tempus Fugit. Vejam fotos.





Sem comentários: