A
palavra “tiborna” provém, ao que parece, do acto de provar o azeite acabado de
fazer — um gesto de verificação e celebração, quase sacramental. A tiborna,
assim entendida, não é apenas alimento: é prova do tempo e da terra, é ritual
que marca o início de um novo ciclo agrícola, a consagração de um fruto que
exige paciência, trabalho e espera. O azeite novo não é colhido: é extraído, é
purificado, é decantado — e essa exigência de tempo e de transformação
imprime-se no espírito da tiborna.
A
versão com alho — a mais austera e mais penetrante — introduz um elemento
ascético. O alho não é apenas condimento; é planta medicinal, de propriedades
antibióticas, de sabor áspero, picante, que exige coragem para ser provado em
cru. É como a palavra dura, mas verdadeira: arde, incomoda, mas cura. Talvez
por isso, em certas regiões, o alho fosse tido como protecção contra maus
espíritos, e a tiborna, por extensão, como alimento não apenas do corpo, mas
também da alma vigilante.
A
tiborna é um rito. Um rito que convoca os quatro elementos: o pão, nascido da
terra e do labor do trigo; o azeite, ouro líquido que o olival oferece; o alho,
raiz humilde e sagrada, de aroma penetrante como a verdade; e o fogo,
purificador e transformador, que devolve calor ao que fora colhido com frio. O
pão, o alho, o azeite — tudo provém da terra, mas tudo é transformado pelo
fogo. A tiborna é, pois, um acto alquímico.
Filosoficamente,
este alimento assume-se como paradigma de uma ética da sobriedade. Na tiborna,
tudo é essencial. Nada sobra. Nada se disfarça. Cada elemento revela exactamente
o que é. E, contudo, da conjugação desses poucos ingredientes nasce algo que
transcende o somatório de suas partes. Há nisto uma lição de vida: que o
essencial é, muitas vezes, o que mais esquecemos; que a verdade, como o alho
cru, pode ser incómoda, mas purifica; que o azeite novo, como a palavra justa,
deve ser colhido com tempo e derramado com parcimónia.
Há,
pois, na tiborna, uma pedagogia do tempo e da espera. O azeite novo não se
colhe antes de tempo, o alho não se planta em qualquer estação, o pão não
cresce sem fermentação. A tiborna, nesse sentido, opõe-se à lógica do imediato,
do efémero. Ela exige atenção, respeito pelo ritmo das coisas, disponibilidade
para o simples que alimenta. Por isso, comer uma tiborna de alho é, em certo
modo, um gesto ético. E, assim, entre o
alho e o pão, entre o fogo e o azeite, a tiborna afirma-se como alimento e
metáfora. É pobreza que se faz riqueza. É rusticidade que se faz sabedoria. É,
no fundo, um sacramento profano que nos lembra de onde vimos — e talvez,
também, para onde deveríamos voltar.
Em
suma, a tiborna é mais do que um prato pobre. É uma filosofia elementar: um
saber dos elementos, uma arte de conjugar o fogo, a terra e o tempo para gerar
sentido. Talvez por isso, entre tantas modas gastronómicas e efémeras, ela
persista — silenciosa, quente, aromática — como quem guarda um segredo que só o
silêncio e a fome conseguem decifrar.
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