Desencontros


No princípio era o verbo…
…na forma de uma epístola poética.
Poesia que dava conta do meu estado de espírito e de um intenso sentir. Um sentir incómodo, pois provinha de um sentimento inconsequente e irrealizável.

Revelei-o. E esse foi o meu primeiro erro.
Parti do princípio que ela reagiria a essa revelação como uma mulher da minha idade. Que idiotice a minha. Afinal era apenas uma jovem com pouco mais de metade da minha idade, como poderia alguma vez entender a singularidade do que lhe pedia?!

Coloquei-a num pedestal, chamei-lhe deusa e dediquei-lhe dezenas de poemas.
Compreensivelmente encantada com a produção poética e com o facto de ter sido eleita musa da arte de Orfeu foi aceitando, sem manifestação de rejeição, essa minha atenção. Até porque lhe reiterava constantemente o meu propósito objectivo, e único, o de construir uma amizade.

A adopção desse objectivo não era mais do que uma estratégia que visava a sublimação de um sentir que eu, lucidamente, encarava como total e completamente irrealizável. Mas passível de se sublimar na amizade. Essa amizade se encarregaria de, paulatinamente, impor ao domínio sentimental os libelos da razão. E de uma forma menos penosa do que qualquer outra opção terapêutica para o meu acidente emocional. Nisto acreditava eu.

Mas, de repente, sobreveio o afastamento. Ela afastou-me. Fê-lo através do silêncio. E essa data, a do início do afastamento, coincidindo com acções aleivosas de terceira pessoa sobre mim, aparentemente estranha a nós, conduziu-me, algum tempo depois, a considerar existir alguma relação entre ela e a pessoa que cometeu esses hediondos actos (houve outras coincidências e factos que concorreram também para a fundamentação desta suspeita). E daí ter ela optado pelo afastamento e pelo silêncio total?!

Questionei-a. E insisti, mas nunca obtive qualquer resposta. Atarantado pelo desconhecimento da razão da sua atitude, imaginei os mais improváveis cenários e testei as mais ridículas hipóteses, que revelaram apenas isso: que se tratavam de suposições erróneas.
A insistência cresceu, avivada pelas conjecturas que a ausência de diálogo permitiu, e promoveu, e rapidamente se transformou em perturbante incómodo para ela.

Mas, porque insistia eu?
Porque estava convicto de que ela me afastara em resultado de se sentir incomodada pela possibilidade de se ver associada à acção dessa terceira pessoa, pois tratava-se de uma atitude infame. Assim sugeriam os indícios. Porém, nunca acreditei, nem acredito, que tal acção tivesse contado quer com a participação activa dela, quer com o seu consentimento ou até mesmo com o seu conhecimento prévio.

E assim, achava eu injusto que, devido a uma acção perpetrada por terceiro, se comprometesse a relação de amizade que eu pretendia e desejava e em que estava decididamente empenhado com toda a minha sinceridade.

Depois, pratiquei e acumulei erros, primeiro com a continuada insistência em procurá-la para o diálogo que tanto desejava, e depois com provocaçõezinhas baseadas em exercícios de lógica, especulações e deduções elementares, tudo isto para a suscitar ao diálogo.

Claro que nada disto resultou. Recolhida na sua concha, comprometida com supostos e, porventura, rocambolescos protagonismos (saídos da minha dedução ou, mais provavelmente, da minha imaginação), ou desconfiando da possibilidade de ainda me animarem forças geradas no fogo sentimental, e hesitante na atitude a tomar em função disso, o certo é que ela esquivou-se peremptoriamente ao contacto comigo.

Por fim, a razão da minha insistência em falar com ela já não residia na necessidade de esclarecer a razão do afastamento, mas sim no imenso incómodo que me atormentava por não saber o que pensaria ela de mim, em consequência do desenrolar dos acontecimentos. Convicto de que ela tinha construído uma ideia errada, e injusta, a meu respeito, tal imagem tornava-se insuportavelmente torturante.

Numa primeira fase, quanto mais ela se esquivava mais eu suspeitava de que o fazia para ocultar algo relacionado com as conjecturas que lhe expusera. Agora, quanto mais eu insistia, mais a incomodava e mais ela acreditaria numa eventual paranóia, da minha parte. E quanto mais isto acontecia, mais incomodado eu ficava, e mais revoltado com o facto de ela não aceitar que uma simples conversa resolveria tudo. Conversa a dois, ou conversa com algum/a amigo/a presente. Tanto se me dava.

Daí, até considerar pérfida a atitude dela, foi um passo. Agora juntava à minha mágoa, a perfídia dela. E no entanto, não acreditava que ela fosse uma pessoa assim. Sempre acreditei que para além de me caber a culpa da falha desta relação idioticamente desencontrada, também somava profundos erros de apreciação/qualificação das acções dela. Mas ter-lhe-ia sido tão simples corrigir tudo isto com um diálogo, apenas.

Após ter-se zangado veementemente comigo, num discurso telefónico em que deixou bem claro o corte total desse monólogo que eu ia mantendo com ela, sobretudo pelos mails, e mais esporadicamente pelo telefone, manifestei num e-mail final o meu desapontamento com a atitude dela. Porém, agradecendo-lhe o facto de ter despertado em mim inopinadas sensibilidades. Primeiro a poesia, e agora a motivação para a construção de um conto ou uma história, mas que até poderá ser uma novela (mais dificilmente um romance). [Para escrever uma coisa assim é preciso ter algo para contar e, sobretudo, é preciso ter vivido e sentido algo interessante que possa ser reduzido a escrito. Finalmente, tenho algo com substância para enformar uma estrutura ficcional mais ampla, que obrigatoriamente extravasará o domínio das experiências pessoais e da realidade.]

Presumo que cometi novo erro, pois esta revelação terá sido entendida como um acto revanchista. É o quanto posso especular a partir da convicção de que ela passou a comentar estes factos com os amigos. Procura apoio? Procura atingir-me? Por enquanto não me sinto atingido, nem incomodado. E espero não vir a sentir-me assim.

"O paradoxo não é meu. Sou eu"
(F. Pessoa)

1 comentário:

Valquíria Calado disse...

Meu amigo, desculpa a comparação, e o ditado popular daqui; mais a merda quanto mais mexe mais fede.
Eu sei e entendo tudo, até por viver, algo semelhante ou parecido, estou tão embrenada na coisa que nem sei a proporção ainda...Concordo que o dialogo resolveria muito, ou haveria perdão,(não necessariamente pra ficar junto) ou esclaresseria os fatos, averdade, é que o silencio é uma forma de agressão psicologica, pois quem o causa, sabe que o maldito provoca no outro, é sim um tormento mental que nos arrasta ao fundo do poço.
Na minha opinião só existe dois caminhos, ou vc faz como eu , fecha os olhos e continua sonhando, ou esquece, de verdade, pra poder tocar a vida, e procurar ser feliz, pois nada nem ninguem merece nosso sofrer,(eu sei mais faço o contrario, sofro como uma maldita), vivi e deixa o mundo girar, determinadas coisas não acontece por querer-mos muito e tertarmos ajudar o munda agirar... beijo teu coração e bola pra frente, afinal a copa ta ai, e vamos vencer!!!! olé....