As palhaçadas


Aceito que a republicação de artigos alheios, mormente os publicados na imprensa, em nada acrescenta o valor de um blogue, porém, fazer eco de um artigo, de uma ideia serve, no mínimo, para marcar uma posição. E como o assunto versa sobre palhaços e palhaçadas, adapta-se lindamente à filosofia deste blogue.



- Mário Crespo -

O palhaço compra empresas de alta tecnologia em Puerto Rico por milhões, vende-as em Marrocos por uma caixa de robalos e fica com o troco. E diz que não fez nada. O palhaço compra acções não cotadas e num ano consegue que rendam 147,5 por cento. E acha bem.

O palhaço escuta as conversas dos outros e diz que está a ser escutado. O palhaço é um mentiroso.O palhaço quer sempre maiorias. Absolutas. O palhaço é absoluto. O palhaço é quem nos faz abster. Ou votar em branco. Ou escrever no boletim de voto que não gostamos de palhaços. O palhaço coloca notícias nos jornais. O palhaço torna-nos descrentes. Um palhaço é igual a outro palhaço. E a outro. E são iguais entre si. O palhaço mete medo. Porque está em todo o lado. E ataca sempre que pode. E ataca sempre que o mandam. Sempre às escondidas. Seja a dar pontapés nas costas de agricultores de milho transgénico seja a desviar as atenções para os ruídos de fundo. Seja a instaurar processos. Seja a arquivar processos. Porque o palhaço é só ruído de fundo. Pagam-lhe para ser isso com fundos públicos. E ele vende-se por isso. Por qualquer preço. O palhaço é cobarde. É um cobarde impiedoso. É sempre desalmado quando espuma ofensas ou quando tapa a cara e ataca agricultores. Depois diz que não fez nada. Ou pede desculpa. O palhaço não tem vergonha. O palhaço está em comissões que tiram conclusões. Depois diz que não concluiu. E esconde-se atrás dos outros vociferando insultos. O palhaço porta-se como um labrego no Parlamento, como um boçal nos conselhos de administração e é grosseiro nas entrevistas. O palhaço está nas escolas a ensinar palhaçadas. E nos tribunais. Também. O palhaço não tem género. Por isso, para ele, o género não conta. Tem o género que o mandam ter. Ou que lhe convém. Por isso pode casar com qualquer género. E fingir que tem género. Ou que não o tem. O palhaço faz mal orçamentos. E depois rectifica-os. E diz que não dá dinheiro para desvarios. E depois dá. Porque o mandaram dar. E o palhaço cumpre. E o palhaço nacionaliza bancos e fica com o dinheiro dos depositantes. Mas deixa depositantes na rua. Sem dinheiro. A fazerem figura de palhaços pobres. O palhaço rouba. Dinheiro público. E quando se vê que roubou, quer que se diga que não roubou. Quer que se finja que não se viu nada.

Depois diz que quem viu o insulta. Porque viu o que não devia ver.

O palhaço é ruído de fundo que há-de acabar como todo o mal. Mas antes ainda vai viabilizar orçamentos e centros comerciais em cima de reservas da natureza, ocupar bancos e construir comboios que ninguém quer. Vai destruir estádios que construiu e que afinal ninguém queria. E vai fazer muito barulho com as suas pandeiretas digitais saracoteando-se em palhaçadas por comissões parlamentares, comarcas, ordens, jornais, gabinetes e presidências, conselhos e igrejas, escolas e asilos, roubando e violando porque acha que o pode fazer. Porque acha que é regimental e normal agredir violar e roubar.

E com isto o palhaço tem vindo a crescer e a ocupar espaço e a perder cada vez mais vergonha. O palhaço é inimputável.
Porque não lhe tem acontecido nada desde que conseguiu uma passagem administrativa ou aprendeu o inglês dos técnicos e se tornou político. Este é o país do palhaço. Nós é que estamos a mais. E continuaremos a mais enquanto o deixarmos cá estar. A escolha é simples.

Ou nós, ou o palhaço.

9 comentários:

David R. Oliveira disse...

Estou de acordo que "nada acrescenta a um blog" e obviamente que "marca posição" por parte do blogger. Não fosse subscrever, concordar. Acredito, meu amigo, que a transcrição ou a "linkagem" veículam a muitas pessoas que não lêem tudo porque não podem, tomar conhecimento. Este artigo de Mário Crespo (e eu que varro a comunicação social nacional e alguma da estranja, todos os dias)se não tivesse sido o Portugal dos Pequeninos a dar-me conhecimento dele eu nunca o teria lido. E valeu a pena. Valeu a pena que você fizesse o mesmo.Porque se eu desconhcesse o Portugal dos Pequeninos tomaria conhecimento dele agora.
Da contribuição benéfica ou nem por isso dos blogs e dos bloggers, dos que escrevem muito bem e dos que nem por isso, dos alinhados e dos desalinhados, de tudo isso podemos um dia falar.
De tudo isso, com maus olhos só vejo quando um termina.Eu que já estive vai não vai por duas ou três vezes.
Não interessa saber se o Claustro Fobia é bom ou mau.Isso diz-me respeito a mim que sou leitor/visitante. As razões têm é de ser perguntadas a quem se dá ao incómodo de cá vir. Mas que vêm, vêm!e nesse sentido cada um de nós faz o seu caminho - uns com maior notoriedade, outros com menos ...
Abraço
David Oliveira

David R. Oliveira disse...

... e que me seja perdoado algum pretuguês mas isto de escrever em cima da corda sem rede às vezes dá nisso. A intenção é que nos salva.

francisco disse...

Caro David Oliveira, não desista do seu blogue. Quando se aborrecer, tire férias, mas não desista. Em tempos achei que não servia para nada exercitar a reflexão sobre o mundo em que vivemos, a sociedade que integramos, a vida que construímos, e menos ainda escrever sobre tais assuntos, acreditando que para nada servia tal esforço, nada podia mudar, pois que sou apenas um grão de areia. Esquecia-me, então, dessa “dinâmica dos fluidos” que é uma das características das opiniões elevadas a discurso. Ao declarar, a opinião dimanada é, muitas vezes, irmanada noutro espírito. E esta dinâmica, repetida à exaustão, pode desinquietar mentalidades, esclarecer espíritos e confirmar intuições, pode produzir mudança. Afinal, cada grão conta.
Este blogue cumpre uns três desígnios, sem preocupação de atingir públicos alargados, sem se preocupar com um rigor escrupuloso ou uma ética explícita. Talvez mais perto da militância de uma estética diletante, porventura oriunda dessa massa medíocre que este país abundantemente gera – e que nos breves momentos de lucidez encontra refúgio na proverbial nacional galhofa, libertadora, mas improdutiva.
1. Este blogue assume-se como um exercício intencional de narcisismo, um debruçar sobre o umbigo de quem gosta de se reler, de se ouvir – sacrilégio para puristas, intelectuais, e cidadãos aplicados mas, atitude mentalmente salutar e legítima, tal como a masturbação.
2 - Depois, serve para enviar mensagens para o além, – para além do blogue, claro – rumo a duas ou três constelações, merecedoras destinatárias de um desassossego permanente.
3 - Finalmente, é aqui que penduro as ficções e as centelhas de humor que cultivo nessa estreita linha que divide a realidade da ficção – não há aqui realidade evidente nem ficção declarada, antes pelo contrário. É pois o meu varal das chouriças, onde venho picar uma de vez em quando, para recordar sabores antigos ou novos arrojos gastronómicos.
É simplesmente isto.Com a compreensão de uns e a incompreensão de outros, com arroubos de enlevo e rebates de irritação de terceiros ou de qualquer um dos meus eus, em silêncios modulados ou em selvática gritaria, é mesmo assim.
Abraço.
Francisco

Isabel Bonari disse...

Podia escolher-se um termo mais adequado ao tipo de gente que o Mário Crespo descreve. Mas palhaço não! Eu que lidei com Palhaços de verdade, aqueles que nos fazem rir nos circos, e que vivem no meu coração, porque sei que por detrás de um palhaço que faz rir está tantas vezes um homem que chora. Respeito os palhaços acima de muita gente. Palhaço não! Palhaço é uma palavra sagrada. Chamem a esses outros, outros nomes. Não lhes chamem também nem “camelos”, nem “burros”, nem “porcos” pois estão a ofender os animais não humanos. Chamem-lhes outros nomes, e há tantas palavras para designar esses de que o Crespo fala: palermas, patetas, simplórios, tolos, néscios, parvos, estúpidos, imbecis, paspalhos, basbaques, pacóvios, pategos, ridículos, lerdos, mentecaptos, lorpas, estafermos... Mas palhaço não!

francisco disse...

Isabel, por vezes temos que ver para além do invólucro, do uso mais frequente, do significado literal, do conceito restrito. Evidentemente, o verdadeiro palhaço está, moral e eticamente, muito acima destes palhaços a que se refere o jornalista. Mas este é um vocábulo que suscita vários sentimentos, todos eles relacionados com as situações descritas. Então, isto não é tudo uma grande palhaçada? Algo que devia ser coisa séria e que é assim levada para o universo da brincadeira, como se de uma reinação se tratasse?! Embora todos nós gostemos dos verdadeiros artistas circenses, que nos fazem rir – e rir é coisa boa –, nenhum de nós gosta de ser apodado de “palhaço”. É um insulto, não é? Pois, são os segundos sentidos, que tanto enriquecem os vocábulos de uma língua. Estes tipos, a quem o jornalista se refere, são pessoas muito piores do que os artistas palhaços, mas são efectivamente, autênticos “Palhaços” e exímios “Artistas”, sem dúvida alguma. E quando alguém assim os qualifica, ninguém os confunde com os cómicos que tanto nos divertem. Também podíamos chamar-lhes hienas ou abutres, o resultado é o mesmo – sem pretender ofender tais necrófagos do reino animal, jogamos apenas com o dúplice sentido das palavras.

Isabel Bonari disse...

Eu entendo, Francisco, o que quer dizer, ou o que querem dizer os que chamam “palhaços” a gente desqualificada. Mas olhe que os verdadeiros palhaços não gostam que usem o nome que eles usam significando “aqueles que dão graça à vida”, para apodar gentinha. A palavra Palhaço lá terá o seu segundo sentido, e eu sei disso, mas tal como os verdadeiros palhaços não gosto de chamar “palhaço” a um desqualificado, bem como chamar “burro” a um palerma. No nosso Português há os “sentidos duplos” que enriquecem a Língua, sim. Mas nestes casos o sentido duplo ofende o “outro”, e seja homem ou animal não humano, poder-se-ia usar termos mais acutilantes para os farsantes e palermas, e assim não ofenderíamos os verdadeiros palhaços e os verdadeiros Burros (animal por quem tenho muita estima também, até porque são inteligentes). É apenas uma questão de palavras. O nosso vocabulário é riquíssimo, dai podermos utilizar palavras que não ofendam o “outro”. Sabe o que significa o meu nome “Isabel”? Significa cavalo com pêlo de cor amarelo-esbranquiçado. E aqui sim, como posso ofender-me se me chamarem “cavalo”? Além disso o cavalo é o animal mais belo que conheço.

A OUTRA disse...

Eu tenho consideração pelos palhaços, e de alguns conheço a vida que muito admiro. É difícil gargalhar com lágrimas e dor profunda, é difícil a fome e ouvir as gargalhadas dos que indecentemente lhes exigem que os façam rir extraindo-lhe os mais nobres sentimentos que são calcados aos pés. O palhaço só no sorriso e nas gargalhadas das "crianças", nem sempre tão puras como parecem, sente a recompensa.
Concordo com Mário Crespo, sinto tudo isso que ele diz, mas talvez mudasse o nome de palhaço para mentiroso ou procurasse outra pior.
É que o mentiroso tem, mais poder de disfarce, mente e sem pejo exibe uma cara mais "injénua" do que um adolescente (antigo) apanhado em falta.
E de quem é a culpa de tudo isto?
Bom fim de semana
Maria

francisco disse...

Eu compreendo os vossos reparos, e a sua razão de ser: a crítica dos estereótipos. Mas penso que neste caso – em que criticam o M. Crespo -, as minhas prezadas visitantes atribuem demasiada importância à forma em detrimento do conteúdo, aquilo que verdadeiramente interessa no texto do jornalista.

Bom fim-de-semana.

Isabel Bonari disse...

Concordo com a Maria, e penso que tanto eu como ela demos importância ao conteúdo do artigo do Mário Crespo, até porque concordámos com o que ele escreveu. Mas palhaço! Palhaço não!