É um exercício simples. Admitamos que a ciência conclui que Deus é uma impossibilidade*, e que tal resultado é adoptado como verdade pela maioria dos que hoje O veneram. O que aconteceria? Como se comportariam, então, essas pessoas?
Nem é necessário imaginar qual a atitude dos muçulmanos, que incorporam nas suas fileiras elevada percentagem de radicais. Basta pensar no universo ocidental cristão. Se o afastamento de tantos, em relação a Deus, já produz o que vemos nos dias de hoje, imaginemos que todos os homens e mulheres do ocidente dispensam o demiurgo. Aumentaria a anarquia e a selvajaria entre as multidões?! É assustador, não?
E o que se conclui disto? Que é forçoso evitar tal afastamento entre os homens e Deus? Que a religião tem de ser imposta, ou pelo menos, mantida à força?
É que não restam dúvidas de que a ausência de uma coerção superior conduz a populaça bem nutrida, e cada vez mais exigente, direito ao egoísmo exacerbado, ao exagero existencial e materialista, rumo à decadência total?!
Qual a solução? Poderíamos substituir Deus por outra coisa? Mas substituí-lo por outra intuição não redundará no mesmo paradigma? Substituir a sua autoridade e poder por outra coisa, igualmente universal e omnipresente, como a Lei por exemplo, não terá o mesmo significado e resultado? Não é Deus um corpus lex, um conjunto de normas que nos foram legadas no dizer de uns, ou que inventámos, segundo outros?!
E se nunca tivéssemos recorrido à intuição de Deus, teria o homem conseguido avançar civilizacionalmente? Para quem defende os valores humanistas e o primado da razão sobre a fé, Deus parece ser coisa perigosa. Ou é um tirano que se impõe aos homens através de outros homens que acabam por abusar do seu poder “representativo”, ou transforma-se numa perigosa ausência depois das longas gerações da sua doutrina, no ocaso das enraizadas crenças como a vida para além da vida, a ressurreição e a salvação da alma, a justiça divina com os seus castigos aos ímpios e recompensas aos justos. Em qualquer dos casos, Deus não parece humano, mas antes uma entidade alienígena, distante e cruel. De um modo ou de outro, afigura-se sempre perigoso.
Alguns dirão que o homem não conquistou sozinho os valores humanistas, que o fez com a presença e ajuda de Deus (da religião). Outros dirão que os homens, cristãos e outros, construíram os seus ideais fundando-os na razão, no respeito pelo semelhante e na observação de normas igualitárias e universais; e fizeram-no com base numa mescla cultural proveniente de várias origens, com influências diversas – mas é um feito dos homens, não de Deus. Ou não será assim?
* Não que a Ciência tenha tal desiderato por objectivo, ou mesmo qualquer empenho em esclarecer a questão, conhecendo-se, até, alguns cientistas convencidos de que quanto mais avançam no conhecimento e na compreensão do universo, mais se aproximam de uma força organizadora desse Universo, uma entidade que pode ser Deus. Coisa que, na minha opinião, revela apenas a fragilidade do ser humano e da sua inteligência, a qual, embora variando consoante a capacidade intelectual de cada um, acaba sempre por evidenciar quão insignificantes somos no cômputo geral do Universo e quão distantes continuamos de o assimilar.
Nem é necessário imaginar qual a atitude dos muçulmanos, que incorporam nas suas fileiras elevada percentagem de radicais. Basta pensar no universo ocidental cristão. Se o afastamento de tantos, em relação a Deus, já produz o que vemos nos dias de hoje, imaginemos que todos os homens e mulheres do ocidente dispensam o demiurgo. Aumentaria a anarquia e a selvajaria entre as multidões?! É assustador, não?
E o que se conclui disto? Que é forçoso evitar tal afastamento entre os homens e Deus? Que a religião tem de ser imposta, ou pelo menos, mantida à força?
É que não restam dúvidas de que a ausência de uma coerção superior conduz a populaça bem nutrida, e cada vez mais exigente, direito ao egoísmo exacerbado, ao exagero existencial e materialista, rumo à decadência total?!
Qual a solução? Poderíamos substituir Deus por outra coisa? Mas substituí-lo por outra intuição não redundará no mesmo paradigma? Substituir a sua autoridade e poder por outra coisa, igualmente universal e omnipresente, como a Lei por exemplo, não terá o mesmo significado e resultado? Não é Deus um corpus lex, um conjunto de normas que nos foram legadas no dizer de uns, ou que inventámos, segundo outros?!
E se nunca tivéssemos recorrido à intuição de Deus, teria o homem conseguido avançar civilizacionalmente? Para quem defende os valores humanistas e o primado da razão sobre a fé, Deus parece ser coisa perigosa. Ou é um tirano que se impõe aos homens através de outros homens que acabam por abusar do seu poder “representativo”, ou transforma-se numa perigosa ausência depois das longas gerações da sua doutrina, no ocaso das enraizadas crenças como a vida para além da vida, a ressurreição e a salvação da alma, a justiça divina com os seus castigos aos ímpios e recompensas aos justos. Em qualquer dos casos, Deus não parece humano, mas antes uma entidade alienígena, distante e cruel. De um modo ou de outro, afigura-se sempre perigoso.
Alguns dirão que o homem não conquistou sozinho os valores humanistas, que o fez com a presença e ajuda de Deus (da religião). Outros dirão que os homens, cristãos e outros, construíram os seus ideais fundando-os na razão, no respeito pelo semelhante e na observação de normas igualitárias e universais; e fizeram-no com base numa mescla cultural proveniente de várias origens, com influências diversas – mas é um feito dos homens, não de Deus. Ou não será assim?
* Não que a Ciência tenha tal desiderato por objectivo, ou mesmo qualquer empenho em esclarecer a questão, conhecendo-se, até, alguns cientistas convencidos de que quanto mais avançam no conhecimento e na compreensão do universo, mais se aproximam de uma força organizadora desse Universo, uma entidade que pode ser Deus. Coisa que, na minha opinião, revela apenas a fragilidade do ser humano e da sua inteligência, a qual, embora variando consoante a capacidade intelectual de cada um, acaba sempre por evidenciar quão insignificantes somos no cômputo geral do Universo e quão distantes continuamos de o assimilar.
9 comentários:
A religião pode e tem sido sempre a maneira utilizada pelo homem para impôr a sua vontade, é divisão e não pacificação.
Penso que enquanto, e isso nunca será possível, o homem não respeitar o outro como "Homem", não há Deus que lhe valha.
Vejamos quantos Natais diferentes... em dias diferentes existem na Terra, e ainda para mais, quantos os que o ignoram?
Penso que a religião está desde sempre no homem, e que não é mais do que o respeito e medo do desconhecido, o medo de que haja alguém superior a ele... resumindo: superstição.
Coisas difíceis de entender...
Um Bom Natal para si
Maria
Concordo, Maria.
Bom Natal também para si.
Dir-me-eis caros amigos Maria e Francisco: se Deus não existe, a história do Menino Jesus nascido em Belém também não. Então, comemoramos o quê no Natal? O que é o Natal senão a festa de aniversário do filho de Deus? Então, por quê os ateus, os agnósticos, os não crentes comemoram o Natal? Eu não comemoro o Ramadão, porque não sou muçulmana.
Isabel, mais do que afirmações, o meu texto é uma enorme interrogação. Mas, continuando a interrogação, e admitindo a eventualidade de Deus não existir, estamos a comemorar coisas que o homem inventou, naturalmente (porque é um ser religioso, um ser que necessita de exercitar essa sua dimensão, uma dimensão fabricada para guardar tudo o que está para além da compreensão imediata, como o sentido da vida, a natureza da morte, os segredos ainda indecifráveis da Natureza, etc...)
Mesmo que não acreditasse em Deus, desejaria um Bom Natal. Não nego a cultura e a herança cultural.
Saúde, e Bom 2010.
Gostei muito do seu texto. Fez-me reflectir, e este seu pequeno comentário ao meu comentário daria pano para mangas. Nele encontro muitas questões interessantes nas entrelinhas, que daria para discutir durante horas. Mas vou referir apenas duas questões que pôs: não entendo que um ateu comemore uma coisa na qual não acredita, só porque o homem a inventou. A outra é que eu se não acreditasse em Deus nunca desejaria um Bom Natal a um ateu. A um cristão sim. E também, não nego a cultura nem a herança cultural. Porém, por exemplo, não alinho com touradas apenas porque (ainda) é uma tradição.
Desejo-lhe um belo ano de 2010 e que continuemos a visitar-nos.
São, certamente, assuntos de discussão apaixonante que uma singela caixa de comentários nunca permitirá explorar.
«não entendo que um ateu comemore uma coisa na qual não acredita, só porque o homem a inventou.» Não é apenas porque o homem a inventou mas porque essa invenção cerca-nos todos os dias e por todos os lados, dos pequenos gestos do quotidiano à Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada pela ONU em 1948, tudo ressuma cultura cristã. E o não acreditar no dogma, o não cultivar essa força única que justifica aquilo que a razão descredibiliza, a Fé, nada tem a ver com a vivência que se impõe pelos séculos de prática de uma cultura de matriz judaico-cristã.
«se não acreditasse em Deus nunca desejaria um Bom Natal a um ateu. A um cristão sim.»
Como é isso? Então um cristão não estende os seus votos de bem-aventurança aos não cristãos? Não é isso que tenho testemunhado por parte dos cristãos. Repare, Isabel, uma coisa é o dogma, a crença na dimensão metafísica e a prática dos rituais próprios de uma dada religião. Outra coisa é a dimensão sociológica e antropológica da religião. As relações que criou e cria com os homens, praticantes ou não, e as influências que opera nas sociedades e nas comunidades. Estes são aspectos que nenhum ateu pode ignorar.
« não alinho com touradas apenas porque (ainda) é uma tradição.» Certamente, e isso é o exercício da liberdade de fazer opções dentro daquilo que nos é legado pela tradição (cultura). Em última análise, opera-se assim a alteração cultural. Mais uma vez, um percurso natural.
Reitero os seus votos de um Bom Ano Novo. Que em 2010 encontremos, ainda, razões para sorrir e para encarar o futuro com esperança. Mas sem esperar a intervenção da divina-providência e sem adiar a nossa carência de justiça para o momento dessa justiça final ou divina que decorrerá já noutro plano da existência.
Saúde.
f.
«sou ateu, graças a Deus»
Francisco, ou eu não soube explicar-me (o espaço também não ajuda), ou o Francisco não entendeu o meu ponto de vista. Mas adiante. Vou apenas responder-lhe aos votos de um cristão: sim, o cristão deve estender os seus votos de bem-aventurança e de todos os outros bens do mundo aos não crentes, mas desejar um Feliz Natal é uma hipocrisia. Não pode desejar-se Feliz Natal a alguém que não acredita que algures num tempo longe houve um dia em que um Menino-Deus nasceu. Porque o Natal é apenas isso: a festa do Menino Jesus. Mas isto dava pano para muita manga.
Aproveito para dizer «Boa efe!». Sou ateu, graças a Deus. Gostei dessa, até porque os ateus têm tanta necessidade de Deus que fazem muita questão de andar sempre a dizer que não acreditam em Deus, que Deus é uma farsa, que Deus não existe. Andam sempre a falar de alguém que para eles não existe. Não será isto uma necessidade latente de Deus? Dentro de cada ser humano, até do mais desumano, não existe a chamada "centelha" de Deus?
Ateu ou não, todo o ser humano possui dimensão religiosa (quer inclua Deus ou um deus qualquer, ou não).
A ironia de Buñuel, já no fim da vida: "Sou ateu, graças a Deus" também daria vasta matéria para discussão.
Saúde, Isabel.
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