escritas


«(...) Quem procura apenas divertir o seu público por meios já conhecidos escreve com confiança, na candura da sua mediocridade, obras destinadas à multidão ignara e destituída. Mas aqueles sobre quem pesam todos os séculos da literatura do passado, aqueles que nada satisfaz, que tudo repelem porque sonham fazer melhor, a quem tudo parece já desflorado, a quem a sua obra dá sempre a impressão de um trabalho inútil e vulgar, acabam por considerar a Arte literária como uma coisa inalcançável, misteriosa, apenas desvendada por algumas páginas dos grandes mestres.»

de Guy de Maupassant – Le Roman -Prefácio a Pierre et Jean (1888)

2 comentários:

David R. Oliveira disse...

Isso, meu preclaro amigo, tem muito que se lhe diga – mesmo não desdenhando das constatações do Guy. É fazer uma mnemónica dos que, ao tempo do Maupassant, ficavam entre os que «procura(m) apenas divertir o seu público» e «aqueles sobre quem pesam todos os séculos da literatura do passado, aqueles que nada satisfaz,…». Já no nosso presente a “coisa” deteriorou-se muito, acho.
No intervalo mencionado cabem, por exemplo, estes

«— Nós, os intelectuais, — disse a Sra. Albert Forrester — estamos aptos a viver num mundo exclusivamente nosso. Nós estamos interessados no abstrato e não no concreto, e às vezes penso que observamos minuciosamente o mundo agitado dos problemas humanos de uma distância demasiado grande e de uma altura demasiado tranquila. Não acham que corremos o risco de nos tornarmos um tanto desumanos? Ficarei eternamente grata ao Albert porque ele me mantém em contacto com o homem da rua. (…) Vou dar ao romance policial a dignidade da Arte. A idéia surgiu-me subitamente no Hyde Park. É uma história de assassínio e eu só apresento a solução mesmo na última página. Vou escrevê-la num inglês impecável, e uma vez que me ocorreu que ultimamente eu talvez tenha esgotado as possibilidades do ponto e vírgula, vou-me dedicar à vírgula. Ninguém ainda explorou as suas potencialidades. Humor e mistério são o meu objetivo. Vou chamar-lhe A Estátua de Aquiles.
— Que título! exclamou o Sr.Simmons, recompondo-se antes de qualquer dos outros. — Eu posso vender os direitos do título e o seu nome.
— Mas, então e o Albert? — perguntou Clifford.
— O Albert? — repetiu a Sra. Forrester. — O Albert? — olhou para ele como se não fizesse a mínima ideia daquilo que ele estava a falar. Depois deu um gritinho como se de repente se tivesse lembrado. — O Albert! sabia que tinha saído para fazer qualquer coisa e varreu-se-me completamente da memória. Ia a passar no Hyde Park e tive aquela inspiração. Que parva vocês não devem pensar que eu sou! Esqueci-o completamente, meu caro — deu uma gargalhada divertida. — O Albert que fique com a sua cozinheira. Agora não me posso preocupar com o Albert. O Albert pertence ao período do ponto e vírgula. Agora vou escrever um romance policial.
— A Senhora é realmente extraordinária, minha querida — disse Harry Oakland.»
Somersett Maugham - «O impulso criativo» in CONTOS

e outros tantos descritos e glosados n’ Os Grandes Mestres por Thomas Bernhard, superiormente, e …

francisco disse...

Eu conheço um intelectual. Segundo diz, trabalha com o intelecto, imaginando modelos de sociedades em que se resolvem os problemas que se colocam às existentes. Achei corajoso, aquele meu antigo professor de Francês, por afirmar com grande naturalidade essa sua ocupação, superando plenamente o preconceito instalado sobre tal denominação/actividade. Infelizmente não lhe conheço as formulações nem as soluções sociais.