A noite em que Portugal escolheu a Democracia


Há datas que se erguem na memória colectiva como marcos silenciosos, mas firmes, de uma nação que decidiu o seu próprio destino. O 25 de Novembro de 1975 é uma dessas linhas de força da História portuguesa; dia em que o País, ainda estremecido pelas convulsões do PREC (Processo Revolucionário em Curso), afirmou com clareza que desejava ser livre, mas livre em democracia plural, com direitos garantidos, com o respeito pela vontade soberana do povo.
 
Recordar o 25 de Novembro não é reacender feridas, mas iluminar escolhas. Naquele Outono tenso, Portugal encontrava-se suspenso entre projectos divergentes de futuro. O entusiasmo libertador do 25 de Abril abrira portas, mas também criara incertezas e tentações autoritárias. A encruzilhada era evidente, ou avançava para um regime democrático estável, plural e parlamentar, ou deslizaria para formas de poder onde a liberdade se tornaria débil promessa.
 
Foi nesse cenário que, com coragem e sentido de Estado, militares e civis se levantaram em defesa da legalidade democrática. Afirmaram que a liberdade não se constrói pela imposição de uma só verdade política, mas pela convivência de várias; que a democracia não é fragilidade, mas a mais exigente das forças; que o povo português merecia não apenas sonhar um futuro melhor, mas tê-lo garantido pelas instituições que livremente escolhera.
 
Sem o 25 de Novembro, Portugal não seria, hoje, um país verdadeiramente democrático. Não teríamos conhecido a normalização constitucional, a consolidação dos partidos, a alternância pacífica no poder, o desenvolvimento económico assente em estabilidade política, nem a integração europeia como nação adulta e segura de si. A democracia que celebramos - com todas as suas imperfeições, mas também com as suas virtudes - foi preservada naquela madrugada decisiva.
 
Evocar o 25 de Novembro é, pois, reconhecer o valor daqueles que, num momento crítico, protegeram o futuro de todos nós. É lembrar que a democracia não é um dado adquirido, mas uma construção diária, que exige vigilância, equilíbrio e coragem cívica. É, enfim, reafirmar a certeza de que Portugal escolheu ser livre e de que essa escolha permanece o maior legado desse dia.
 
Lamentam o 25 de Novembro de 1975 aqueles que defendem correntes políticas de cariz totalitário e que viam no processo revolucionário de 1974-75 uma oportunidade para a transformação do país numa sociedade em que a liberdade individual e os meios de produção ficariam submetidos aos ditames dos governantes.  

Nesses, destacam-se o Sector revolucionário de esquerda (no sentido histórico do termo), que Inclui pessoas e movimentos que, à época, defendiam uma democracia popular, com forte participação dos trabalhadores, tal como preconizam os modelos políticos de inspiração socialista; e os Nostálgicos da experiência revolucionária, que, mesmo não sendo militantes de extrema-esquerda, guardam uma memória afectiva e idealizada de um período de intensa mobilização social e que perfilham uma fé quase religiosa num internacionalismo político que elimine diferenças, tradições e culturas.

Em resumo, aqueles que lamentam o 25 de Novembro podem ser qualificados como pessoas ou correntes que valorizavam o processo revolucionário em curso e desejavam a sua continuação, que acreditavam que a transformação política e social deveria ter ido mais longe, e que sentem que o 25 de Novembro representou uma inflexão que travou essas possibilidades.

Estão errados, como o estão também os extremistas de direita que hoje reclamam honestidade e lisura política e pública, como se fossem eles próprios exemplos acabados da ética que exigem aos outros. Não são. 

A Democracia é e será sempre imperfeita, mas é e será sempre a melhor via para a humanização da sociedade e para a construção de civilização.
Será miragem e erro fatal qualquer alternativa à Democracia assente no Estado de Direito, que tenha o indivíduo e os seus direitos, liberdades e garantias como fundamento primordial da sua própria natureza.

VIVA ABRIL EM NOVEMBRO!


 - -
 
Cronologia dos acontecimentos:

00h00 – 02h00: Intensificam-se sinais de tensão entre unidades militares afectas a diferentes facções do MFA. O COPCON, dirigido por Otelo Saraiva de Carvalho, mantém elevado estado de alerta. A força aérea e unidades pára-quedistas contestatárias preparam acções de bloqueio.
 
02h00 – 04h00: Pára-quedistas de Tancos iniciam movimentos para ocupar bases aéreas, visando neutralizar a Força Aérea, vista como alinhada com o Grupo dos Nove (moderado). Cortes de comunicações começam a ser registados em alguns pontos estratégicos.
 
04h00 – 06h00: Queda de transmissões em diversas bases aeronáuticas. Grupos pára-quedistas ocupam a Base Aérea de Monte Real e tentam controlar outras bases. A situação gera um estado de alarme entre estruturas políticas e militares.
 
06h00 – 08h00: A Força Aérea reorganiza-se rapidamente e prepara a resposta.
O Governo e o Presidente da República, Costa Gomes, acompanham a evolução dos acontecimentos. Reúne-se o núcleo de oficiais que coordenará a reacção militar, com Ramalho Eanes como figura central.
 
08h00 – 10h00: A Força Aérea lança uma contra-ofensiva, recuperando parte das bases ocupadas. São emitidas as primeiras ordens para imobilizar os pára-quedistas insurgentes. O ambiente político é de extrema tensão: receia-se que a crise evolua para confronto generalizado.
 
10h00 – 12h00: O cerco operacional aperta-se sobre as unidades revoltadas. As comunicações são gradualmente restabelecidas. O Governo afirma que a legalidade democrática será defendida, rejeitando qualquer tentativa de golpe.
 
12h00 – 14h00: A situação começa a virar a favor das forças leais ao Grupo dos Nove. A Força Aérea recupera completamente o controlo operacional, impedindo novas operações dos pára-quedistas. Tropas leais cercam posições estratégicas ao norte de Lisboa.
 
14h00 – 16h00: Prosseguem as negociações e cercos. Já não há capacidade efectiva de avanço pelos insurgentes. O COPCON vê-se neutralizado e sem possibilidade de acção coordenada. Rumores de novas movimentações falham por ausência de comunicações.
 
16h00 – 18h00: Ramalho Eanes dá ordens decisivas para terminar as últimas resistências.: Rendição e desmobilização gradual de unidades pára-quedistas. O clima político estabiliza, e as forças moderadas controlam a situação.
 
18h00 – 20h00: Fim efectivo das operações militares. As autoridades reiteram que a democracia constitucional será seguida como caminho único. A crise é considerada controlada, embora o país permaneça apreensivo.
 
20h00 – 24h00: Comunicações oficiais procuram acalmar a população. Partidos políticos reagem: uns condenam a acção dos pára-quedistas, outros denunciam repressão. Torna-se claro que a via revolucionária radical fica definitivamente derrotada, abrindo caminho à estabilização democrática.

Sem comentários: