A sopa de nabiça, deliciosa, mais a sandes de atum em pão de milho e o descafeinado, tudo por 2,5€, deixou-me satisfeito. Ora, eu sou daqueles gajos que reclamam e invectivam os políticos e os governos que temos porque os erros que cometem são grosseiros e evidentes, entrando pelos olhos de qualquer cidadão minimamente atento. Contudo, tenho consciência de que a abundância de hoje, contrastando com a escassez e carestia do quotidiano da geração dos meus pais, de quando eles eram jovens, me permite criticar de barriga cheia.
Satisfeito com o económico repasto, e com o facto de ter o ordenado na conta bancária, sempre no dia certo do mês; de trabalhar num moderno edifício público eficiente e confortável; de poder suprir todas as necessidades que o consumismo moderno estabelece como básicas, e poder, até, ir um pouco mais além, poderia colocar-se a pergunta: - de que me queixo eu, afinal?
Perante a situação descrita, até podia parecer ingrato, mal-agradecido, um diletante burguês revolucionário – embora sem a importância e o sucesso de outros que fizeram carreira e história –, mas convém recordar que as conquistas que nos permitem viver desta forma, fruir uma vida de facilidades, não se devem particularmente aos políticos mas sim aos trabalhadores e aos investidores – os políticos existem apenas para facilitar, infelizmente têm feito exactamente o contrário.
São as oportunidades perdidas, as oportunidades de melhoria e as de desempenho eficaz, goradas umas e outras, umas a seguir às outras, trocadas por decisões e práticas erradas, desonestas, penalizadoras e desmoralizadoras da vida em sociedade. É isso que me arrelia visceralmente. Ver quão fácil seria fazer correctamente, vendo que se faz errado. A vida ensina que fazer mal feito obriga a repetir. Repetir para emendar erros é uma perda de tempo e energias, mas quando é possível fazê-lo não há outro remédio, todavia, muitas das decisões e práticas erradas não permitem emenda, porque não é possível voltar atrás no tempo ou porque não é possível desfazer o que foi feito. Eis porque clamo. Não é por ingratidão ou falta de reconhecimento mas porque andam por aí uns magotes de gente irresponsável decidindo e executando mal, muito mal.
Não consigo imaginar uma vivência sem uma sopa de nabiça saborosa, nutritiva e barata. Não acredito que voltemos a esses tempos de miséria por culpa de políticos incompetentes, já este povo néscio é que me preocupa?!
4 comentários:
Duas boas razões para desejar que a "sopa de nabiça" lhe tenho feito o melhor proveito. A primeira é o meu apreço, a segunda "o que eu gosto de quem é HONESTO".
Abraço
David Oliveira
Caro amigo David, olhe que é muito difícil ser honesto vivendo nesta sociedade que explora defeitos e virtudes misturando-os de tal forma que uns se confundem com outros ou trocam de atributos entre si. A hipocrisia e o egoísmo são coisa pior que maçã envenenada pela bruxa, quebrando os valores e virando tudo de patas para o ar de tal modo que, por vezes, já nem sabemos se os problemas são mesmo problemas ou invenção desta sociedade da abundância e da inexistência de graves e prementes problemas, como os da subsistência p. ex.
E quando alguém que preza a honestidade começa a duvidar do seu próprio juízo moral e ético e do seu desempenho, é como andar no mar aberto ou no deserto total, sem qualquer objecto ou ponto de referência que o guie, perdido nessa imensidão repetitiva de água ou areia que se estende até ao infinito e embota os sentidos e a razão. Às vezes sinto-me assim, à deriva sem referenciais (duvidando daqueles que conheço e uso habitualmente). E esta dúvida é perigosa - e destrutiva porque deprimente -, pois faz-nos duvidar de nós próprios.
Às vezes, o que nos vale é uma coisa qualquer insignificante que, despoletando ou despoletada pel a memória, nos trás de volta a confiança e a presença de espírito suficiente para retomar a caminhada, uma coisa simples como uma sopa de nabiça, por exemplo.
Um abraço.
Francisco Castelo
Ao ler quer o post quer o comentário que fez, levou-me a pensar na quantidade de vezes que isso me acontece... nunca tinha reflectido com tamanha clareza sobre o que me causava tal sensação de desnorte...
O que vale são mesmo as "sopas" que ainda existem e as memórias (nossas ou dos outros) que lá vão servindo de âncora!
Mas atenção Ana, que os pequenos nadas que nos puxam e re-ligam à realidade são meros paliativos pois o mal - residindo na vida hodierna neurótica e no desvanecimento dos referenciais éticos e morais, que defino como “tempo em turbilhão e cultura em colapso” não se ultrapassa nem se vence com estes momentos de recordação das coisas “simples e boas” da vida. Sobretudo porque são evocações de um tempo de juventude, o tempo da aprendizagem (da descoberta de nós e dos outros, do mundo e dos seus odores, sabores e outras coisas novas), desse tempo marcante e vívido em que não se possuía responsabilidades maiores. Vencer esse mal exige a adopção de uma atitude permanente – exaustiva para os padrões de vida actual -, de exercício da racionalidade que suporta a consciência e o sentido crítico. Coisa cada vez mais complexa e difícil para as novas gerações, compulsivamente alheadas do exercício mental.
O ritmo veloz da vida e a manipulação da mensagem (toda a informação que recebemos é mensagem) através de imagens de apreensão fácil vai-nos controlando e condicionando. O impulso de aquisição de um bem desnecessário, estrategicamente colocado na prateleira do hiper-mercado repete-se noutros meios e com outros suportes visando o controlo do nosso “livre” arbítrio. E a escolha não é livre. Assim, como podemos ter a certeza acerca dos atributos éticos que nos devem orientar? E nesta confusão é fácil claudicar da racionalidade e cair em atitudes radicais como o maniqueísmo que rotula metade das coisas como BEM e outra metade como MAL – usando rótulos fornecidos por entidade alheia e desconhecida.
Em suma, ou vivemos num estado de vigília permanente, exercitando o sentido crítico, discutindo, comparando, testando, ou somos engolidos pelo pântano que deixámos criar.
Bom fim-de-semana
efe
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